Metodologias ativas e tecnologias da inteligência
Duas grandes revoluções estão acontecendo na educação contemporânea. A primeira diz respeito às chamadas metodologias ativas educacionais, nas quais (finalmente) o aluno é colocado no centro do processo de aprendizagem, e o conteúdo passa a dividir importância com o desenvolvimento objetivo de habilidades e competências. Em linhas gerais, significa que não basta apenas saber – é preciso saber aplicar o conhecimento, saber fazer, resolver problemas por si só e aprender de forma mais autônoma.
A segunda revolução educacional está sendo encaminhada pelas Tecnologias de Informação e Comunicação – TICs, que proporcionam formas e modelos diferenciados de aprendizagem, como a Educação à Distância - EaD, e-learning, bem como dotam a sala de aula de novos e interessantes recursos e tecnologias educacionais.
Em 1998 o filósofo e escritor Pierre Lévy escreveu um importante livro intitulado “As tecnologias da inteligência”. Lévy, que já havia realizado importantes estudos sobre a cibercultura e ecologia cognitiva, jogava luzes agora nos fenômenos de coletivização do saber proporcionado pelas TICs. Passados 17 anos, podemos perceber como os MOOCs, o EaD, o social learning e o crowdlearning são elementos de aprendizagem que se desenvolvem a partir das TICs e do compartilhamento de informações.
Enquanto os cientistas, pesquisadores, tecnólogos e entusiastas da internet jogam-se em uma nova corrida do ouro pelas tecnologias educacionais, presenciamos o mundo da escola, da sala de aula, do quadro-negro e dos professores tradicionais ainda muito alheio às novas realidades didáticas proporcionadas pelas tecnologias. Encontramos em muitos docentes resistência cultural e dificuldade de se adaptar e, consequentemente, de adaptar as tecnologias ao exercício de sua função.
Ao mesmo tempo, e convergindo para o mesmo foco das tecnologias, as metodologias ativas ganham cada vez mais visibilidade. E aqui também encontramos resistência de uma parcela dos docentes. Há um certo desconforto e constrangimento ao perceberem-se questionados em suas práticas, em sua experiência profissional. E é difícil mesmo admitir que após anos de atividade, é necessário rever totalmente sua atuação.
Estamos em um caminho sem volta, saindo de um modelo de transmissão de conhecimento (que prioriza o cognitivo e a passionalidade do aluno) para um modelo colaborativo de compartilhamento e desenvolvimento de competências (onde se estabelece formas de desenvolvimento pessoal e profissional do aluno). Tanto as metodologias ativas quanto as tecnologias da informação e comunicação estão apontando a direção de um novo caminho, onde o aluno deve ser mais autônomo e protagonista de seu aprendizado.
Uma velha novidade
Todavia, é interessante verificarmos que nem as tecnologias educacionais nem as metodologias ativas são fenômenos recentes. Rádio, TV, cinema já são utilizados como recursos educacionais há muitas décadas. É só se lembrar do Projeto Minerva e do Telecurso 2000 como alguns exemplos. No Brasil, o Instituto Universal Brasileiro será lembrado como uma modalidade de aprendizado à distância (via correio) por aqueles que tem mais de 30 anos.
Metodologias ativas como a Aprendizagem Baseada em Problemas – ABP, ou o arco de Maguarez são da década de 1960. A Taxonomia de Bloom remonta à década de 1970, assim como o Ciclo de Aprendizagem Vivencial, de David Kolb. Os quatro pilares da educação, de autoria de Jacques Delors, que serviu como modelo de educação do novo milênio pela UNESCO, é da década de 1990. A visão de que precisamos desenvolver múltiplas inteligências, propostas por Howard Gardner, surge na década de 1980. Mas se formos buscar os pioneiros das metodologias ativas, chegaremos em John Dewey no começo do século passado, e em Anísio Teixeira (aqui no Brasil) nas décadas de 1920 e 1930.
Uma “nova” modalidade de metodologia ativa, a Aprendizagem Baseada em Projetos é da década de 1970, e com ela foi possível colocar em cheque a estanqueidade do ensino fragmentado em “disciplinas”, o que facilitou a adoção de projetos integradores e de práticas multi/trans/interdisciplinares.
Portanto, podemos nos perguntar – por que demoramos tanto em adotar essas práticas? Por que a sala de aula não se desenvolveu tecnologicamente como o mundo do trabalho, do entretenimento e das telecomunicações? Por que no Brasil demoramos a perceber que as metodologias expositivista e conteudista não estavam mais preparando os alunos para a vida?
Aprendendizagem significativa
Os próprios alunos nos avisaram. A falta de uma aprendizagem significativa fez gerações inteiras questionarem a validade do que estavam aprendendo. A falta de uma integração e aplicabilidade dos conhecimentos, a falta de estímulo à leitura e de interpretação crítica da realidade, e principalmente o distanciamento da escola como um ambiente integral do saber e do desenvolvimento humano e social podem ser os principais sintomas de que criamos, em verdade, um ambiente-simulacro, um aprendizado de “ouvir-dizer”.
Perguntamos como um aluno que estudou português e inglês durante 12 anos de ensino fundamental e médio não é capaz de ler, escrever e falar proficientemente essas duas línguas. Ou por que não é totalmente capaz de articular e organizar seu pensamento lógico. Ou como é incapaz, em sua maioria, de ter uma visão crítica sobre a sociedade e o mundo em que vive.
Enquanto os alunos – crianças e adolescentes – dominam com maestria os dispositivos tecnológicos, como computadores, tablets, smartphones, vemos muitos professores sentindo-se inferiorizados por não possuir a mesma desenvoltura. Assim, pensam que serão desautorizados em sala de aula, e encaram estes dispositivos com medo ou desdém. Pior, veem a tecnologia como uma inimiga do aprendizado.
Choque de gerações? Sim, é possível explicar essa diferenciação tecnológica pelo fato dos mais novos serem nativos digitais, mas também é possível perceber que os alunos continuam ávidos por aprender, pelas novidades, pela falta de medo de errar e pela curiosidade em clicar e jogar em telas e teclados. Perceba que essas são características indispensáveis para se aprender. Os alunos continuam predispostos a aprender, desde que faça sentido, que signifique algo.
Porém, para as novas gerações as escolas agora parecem presídios, com “grades” curriculares, com carteiras militarmente dispostas e alinhadas, com “disciplinas”, com um sinal de alarme a cada aula, aquele sinal que significa um alívio para o aluno que sai correndo para o recreio, este sim (junto com a merenda) um dos poucos momentos de interação, de atividades lúdicas e socializantes.
Estaremos criando fazedores de provas? Preenchedores de formulários? Onde está a família nesse processo educacional? A trama de agentes e situações é complexa e desafiadora. Nós já temos há muito tempo os recursos tecnológicos e metodológicos em quantidade e qualidade suficientes para darmos um upgrade na educação brasileira. Falta sairmos da zona de conforto, exercitarmos um pouco de humildade como educadores, reconhecendo que temos muito a aprender, e para além disso, sentirmos que nunca deixaremos de aprender. Deveria haver felicidade nisso, e não temor ou preconceito.
Abrir-se ao novo, eis a nova competência esperada de um professor. O que já sabemos não será descartado, e sim recombinado em novas formas de compartilhar os saberes, de modo cada vez mais integrado. Escolas e professores que não investirem na formação e desenvolvimento de seus alunos, e que não investirem em métodos e técnicas que propiciem este resultado estarão cada vez mais se condenando à falência e ao ostracismo.
Crédito Autoral
por Daniel Boppré - Gerente de Projetos em Contexto Digital
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